03 abril 2014

Nunca fiz 50 anos


Nunca fiz 50 anos. Na verdade ninguém faz 50 anos. 


Se descontarmos o tempo que perdemos entretidos com coisas pequeninas e que nem deviam contar para o Totobola do que somos, ou para o que fomos, ninguém saberá ao certo quando perfaz 50 anos.

Eu devo confessar que só me apercebi do redondo número quando um dos clubes a que pertenço me endereçou uma missiva onde dizia, de forma subtil mas não menos eficaz me dizia "meu menino, já não és nenhum mancebo, tens de tratar de renovar a carta de condução". 

Já vi formas mais subtis de fazer chegar algumas mensagens. Parece um aviso de corte da EDP, isto mal comparado.

Foi nesse momento que fiquei frente a frente com a situação. Lembrei-me de um Grupo de Forcados Amadores. Mal comparado, claro.

Vacilei. Há sempre ali um momento de frissom. O número, que não sinto, impressiona. É majestático. Redondinho, mas isso também eu estou e não me parece tão impressionante... Incongruências.


Há sempre assuntos que nos desfilam pelas meninges em carrossel. O primeiro que me surgiu foi a próstata. Isso. Algum facto tinha de ser o primeiro. Afastou-se rapidamente. 

Lembrei-me dos que me faltam, dos que tombaram em serviço, qualquer serviço e sobretudo dos que me tombaram das memórias sem que eu quase tivesse dado por isso.
Quem ainda não fez 50 anos não perceberá, quem já os fez fará por esquecer. 

Sim, lembramo-nos de nós. Do que já fomos, do que amámos, dos que não conseguimos manter no abraço. É muita memória viva para descrever a intimidade publicamente. 

E na verdade não vos interessava puto.


Lembrei-me do que falhou, que é quase sempre muito mais marcante do que o nosso relativo sucesso. Sucesso é estar vivo e poder escrever "Nunca fiz 50 anos". 

Sim, eu sou dos que terá pena de morrer, nunca o escondi, não é bem pena, é medo, mas digo pena porque soa melhor e me assusta menos. 

Lembrei-me dos mais pequenos, aqueles que nos fazem sentir mais velhos rapidamente. 

Lembrei-me da angústia que será desaparecer, não gosto da palavra desaparecer, um dia vou ali e já não volto, mas enquanto aqui estou, aturem-me.

Nunca fiz 50 anos. Ainda agora completei 49 e já estou, estamos todos, preocupados com o nosso próximo degrau. Quando olho para trás vejo, egoisticamente estou certo, uma história de sobrevivência. 

Sim,sobrevivência. 

Não tenhamos medo das palavras. É um milagre estatístico ter pegado hoje no teclado e iniciado um texto de que não gosto particularmente. Estar vivo é em si mesmo um milagre estatístico.

Lembrei-me primeiro de quem efectivamente não gosto. Dos que me fazem asco. Não se assustem, não sou um tipo azedo, mas sempre fui assim, já em menino comia primeiro o que não gostava para depois me poder deliciar com as iguarias favoritas. 

Continuo a ser assim, como bastante menos mas mais intensamente (nenhuma graçola incluída neste preço).

Ficam-me para último aqueles a quem amo. As minhas iguarias favoritas. Aqueles que mesmo longe ou mais distantes não me falham. Os meus portos de abrigo para quem não há alertas de borrasca ou barras fechadas à navegação.

Tenho a certeza de que não fui perfeito. De que nunca fui perfeito. Mas concedo que partes de mim são ou foram muito boas. 

Fechemos os olhos e concentremo-nos nisso. No bom, em vez do mau, no doce em vez do amargo.

Fiz o melhor que pude? Talvez não, se conceder crédito à preguiça. Talvez sim se pensarmos que tudo o que fiz, tudo o que faço e tudo o que eventualmente farei se deve a todos vós, chegados ou afastados, família, amigos, e outros que não consigo classificar por falta de tempo e gavetas.


Mesmo os amigos recentes que disseram "Presente!" quando não tinham necessariamente de o fazer. Agradeço-vos a companhia na viagem. E se tem sido uma viagem. É pena o preço do bilhete, mas deixam-nos levar muita bagagem.

Se estou satisfeito com tudo o que fiz? Não. Desculpem-me, podia ter feito mais, podia a sorte ter sido menos madrasta. E menos amargura. Muito menos amargura. Aquela que combato diariamente e que evito que transpareça. Tenho a certeza de que nunca fui ingrato. Tenho a certeza de que muitas vezes avancei eu sem necessitar de compensar fosse o que fosse. Tenho a certeza de que não fui completamente mau. 

E é, ou foi isso que me permitiu olhar para os lados e ver tanta gente em linhas paralelas, gente que vai noutros carros mas na mesma direcção em que sigo. Se eu me finasse hoje, ainda teria chances de ser convocado para o team "Gajo porreiro"?. Talvez. Isso basta-me
e aquece-me a alma.

Nunca fiz 50 anos. Na verdade ninguém faz 50 anos. Daqui para a frente é mais estrada e navegaremos à vista. Convosco. E se não houver novidades, com a próstata.


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4 comentários:

Dinada disse...

Pois que o ano de 1964 também me obriga, lá mais para Julho, a reflexões parecidas...

A.B. disse...

50 também não é o fim. Parabéns. Atrasados (mas dizem que adiantados é que dá má sorte) . )

Paula disse...

Pois é! 😊

Paula disse...
Este comentário foi removido pelo autor.